segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Mensagem da Quaresma


Queridos Irmãos e Irmãs, Membros da Família Vicentina


Quaresma: um tempo para o jejum

Uma história: Durante uma visita à Venezuela onde encontrei membros dos diversos ramos da Família Vicentina, as pessoas falavam da crise social e econômica que atravessa o país e dos seus efeitos na vida quotidiana. As pessoas devem esperar em longas filas para comprar gêneros alimentícios de primeira necessidade como pão, leite, arroz, feijão, etc; elas devem esperar em longas filas para comprar sabão, creme dental e outros produtos de necessidade básica; devem esperar em longas filas para obter medicamentos e materiais de primeiros socorros; as pessoas devem esperar em longas filas nas paradas de ônibus devido aos horários reduzidos em razão da falta de peças de reposição e de novos pneus para os veículos de transporte público; as pessoas devem esperar em longas filas para obter vistos de viagem e além disso terão que enfrentar filas ainda mais extensas nos aeroportos.

Esperar durante horas, sem no entanto ter a garantia que se conseguirá os produtos desejados e sem nenhuma garantia que não se ouvirá estas temidas palavras: não temos mais pão (ou aquilo que se procura). Esta frase significa que será preciso esperar até a semana seguinte pois, somente é permitido entrar na “longa fila” quando o último número da carteira de identidade pessoal corresponde a um determinado dia da semana. Contudo, ao mesmo tempo, as pessoas falavam dos efeitos positivos desta crise, destacando o fato de que os laços de solidariedade foram reforçados. Um dos nossos coirmãos dizia que a situação atual levou-os a adotar um modo de vida mais simples e aproximou a comunidade da realidade dos pobres. Esta situação social, econômica e política com seus aspectos negativos e positivos, pode ser considerada como uma passagem da cruz (a crise) à ressurreição (a solidariedade e uma maior identificação com a situação daqueles que são pobres).

Uma história de Jesus: E o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14). Deus que é todo amor, misericordioso e compassivo, jamais abandonou a humanidade. Muitas vezes e de muitos modos falou Deus outrora aos nossos pais, pelos profetas; nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio do Filho (Hb 1, 1-2). Jesus se misturava às multidões que formavam as longas filas de excluídos, na expectativa e esperança de participar, como membros ativos, da vida da sociedade. Jesus alimentou multidões e, não somente nenhuma pessoa voltou de mãos vazias, como também cestos e mais cestos de restos foram recolhidos (Mc 6, 34-44).
Jesus estendeu o seu perdão incondicional aos pecadores,setenta vezes sete (Mt 18, 22), e exortava seus discípulos a serem também compassivos com seus irmãos e irmãs, como Deus tinha sido com eles (Lc 6, 36). Por sua Encarnação, hoje podemos encontrar Jesus em todas estas longas filas de espera que se constatam em diversas cidades do mundo, longas filas de homens e mulheres que clamam a toda hora, pedindo para seremreconhecidos como membros integrais desta sociedade.
Uma nova história:
Sim, a Quaresma é um tempo para o jejum, mas durante este ano da Misericórdia, nosso jejum deve assumir uma nova forma, aquela que leva à conversão pessoal e comunitária. Nosso jejum deveria ser de tal forma que jamais pudéssemos ser acusados “de passividade, de indulgência ou de cumplicidade culpáveis frente a situações intoleráveis de injustiça e de regimes políticos que mantêm estas situações” (Evangelii Gaudium, n° 194). Nosso jejum deve impregnar-nos, tocar-nos no mais profundo de nosso ser, de maneira que possamos ouvir e compreender novamente o clamor dos nossos irmãos e irmãs. Então, escutando estes gritos, corramos para servi-los como se corrêssemos para apagar um incêndio.
Lembremo-nos, portanto, que quando tecemos relações com aqueles que estão na periferia, devemos entrar em seus sentimentos… é preciso sensibilizar nossos corações tornando-os susceptíveis ao sofrimento e as misérias do próximo e pedir a Deus que nos conceda o verdadeiro espírito de misericórdia que é o próprio espírito de Deus (Coste XI, p. 340-341).



Que nosso jejum durante este tempo de Quaresma conceda a cada um de nós, membros da Família Vicentina, um coração novo, um coração de carne, um coração que nos permita criar vínculos sempre mais fortes com os nossos senhores e mestres, com os incontáveis homens e mulheres que, no mundo inteiro, são esquecidos e abandonados. Que nosso jejum durante esta Quaresma possa refletir esta mesma passagem que experimentam nossos irmãos e irmãs da Venezuela, uma passagem da cruz (nossa própria situação de crise) à ressurreição (a solidariedade e uma maior identificação com a situação daqueles que são pobres).

Quaresma: tempo para rezar

Uma história: No mês passado, por ocasião da festa da Epifania, fui ao Santuário de Nossa Senhora de Prime-Combe, que é administrado pelos nossos Coirmãos da Província de Toulouse e por uma equipe pastoral composta por leigos bem formados. Houve um tempo em que aproximadamente 50.000 pessoas se reuniam para celebrar a festa de Nossa Senhora. Hoje em dia, apenas 300 pessoas vêm participar da festa, mas, todos os domingos, na medida do possível, um coirmão celebra a Eucaristia.

Fiquei muito impressionado com a fé simples de uns 50 fiéis que estavam reunidos para celebrar a Eucaristia. Eram todos idosos com 60 anos ou mais (não havia nenhum jovem presente). Um grupo de monges beneditinos que, desde o ano de 1990, vivem num prédio localizado em nosso terreno, partilha a vida desta comunidade de fé. Entretanto, este grupo de monges consiste numa comunidade muito especial. Cada membro vive com uma certa deficiência. Porém, estes homens levam uma vida alegre e simples e oferecem à população da redondeza um poderoso exemplo da maneira como o trabalho e a oração podem se entrelaçar.

Uma história de Jesus : Jesus se afastou muitas vezes da multidão e de seus discípulos para dedicar tempo à oração. Ele dizia aos seus discípulos: “orai pelos que vos perseguem” (Mt 5, 44)e Ele mesmo rezou para que “todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti” (Jo 17, 21). Todos nós conhecemos o relato da oração angustiada de Jesus no Getsémani (Mc 14, 32-42).Ao mesmo tempo, Jesus enalteceu a humilde oração do coletor de impostos: Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador… e declarou que foi o coletor de impostos que voltou para casa justificado, pois, quem “se humilha será exaltado” (Lc 18, 9-14).Jesus também elogiou a oferta generosa da pobre viúva que foi a Jerusalém para rezar (Mc 12, 43-44).
Antes de partir deste mundo, Jesus deixou aos seus discípulos a herança de uma oração que combina dois grandes desejos centrados em Deus, com três clamores de súplica centrados nas urgentes necessidades básicas da humanidade. Jesus disse ao Pai os dois desejos do seu coração: Santificado seja o vosso nomevenha a nós o vosso Reino. Estes são seguidos por três clamores de súplica: dai-nos o pão, perdoai-nos nossas ofensas,e não nos deixeis cair em tentação[1]. Através de sua Encarnação, Deus compreende nossas necessidades, compreende que somos fragmentados e feridos e na pessoa de Jesus todas estas realidades são apresentadas ao Pai!
Uma nova história: Sim, a Quaresma é um tempo de oração e, nossa oração assim como o nosso jejum devem igualmente tomar uma nova forma durante este ano da Misericórdia, uma forma que conduz à conversão pessoal e comunitária. Sem momentos prolongados de adoração, de encontro orante com a Palavra, de diálogo sincero com o Senhor, as tarefas facilmente se esvaziam de significado, quebrantamo-nos com o cansaço e as dificuldades, e o ardor apaga-se. A Igreja não pode dispensar o pulmão da oração (Evangelii Gaudium, n° 262).
 
Nossa oração e nosso jejum dão sentidos ao nosso ministério/serviço, nosso ministério / serviço dá sentido à nossa oração e ao nosso jejum. Minha esperança é que durante estes 40 dias de Quaresma possamos dedicar tempo não somente para escutar os clamores dos pobres, não somente para servir e evangelizar os pobres, mas para rezar com os pobres. Afinal, não somos todos como os membros da comunidade beneditina de Nossa Senhora de Prime-Combe, ou seja, não estamos de algum modo fragmentados e com necessidade de cura, com necessidade das orações dos outros? Consequentemente, como os monges beneditinos, nossas “deficiências” não devem nos impedir de contribuir na edificação de nossa comunidade, da associação, da Congregação.
 
Enfim, e se, como o Papa Francisco não cessa de fazer, pedíssemos às pessoas: por favor, rezem por mim? E se convidássemos os pobres a virem em nossas casas para partilhar com eles um tempo de oração? Gostaria de encorajá-los a fazê-lo e depois, durante o Tempo Pascal, poderíamos compartilhar uns com os outros nossas experiências de partilha da oração com nossos senhores e mestres.
 
Que a nossa oração e o nosso jejum nos permitam morrer com Cristo durante este tempo de Quaresma do ano de 2016, para ressuscitar com Ele no domingo de Páscoa e cantar nosso Aleluia!
Seu Irmão em São Vicente,

G. Gregory Gay, CM, Superior Geral

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