segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Mensagem da Quaresma


Queridos Irmãos e Irmãs, Membros da Família Vicentina


Quaresma: um tempo para o jejum

Uma história: Durante uma visita à Venezuela onde encontrei membros dos diversos ramos da Família Vicentina, as pessoas falavam da crise social e econômica que atravessa o país e dos seus efeitos na vida quotidiana. As pessoas devem esperar em longas filas para comprar gêneros alimentícios de primeira necessidade como pão, leite, arroz, feijão, etc; elas devem esperar em longas filas para comprar sabão, creme dental e outros produtos de necessidade básica; devem esperar em longas filas para obter medicamentos e materiais de primeiros socorros; as pessoas devem esperar em longas filas nas paradas de ônibus devido aos horários reduzidos em razão da falta de peças de reposição e de novos pneus para os veículos de transporte público; as pessoas devem esperar em longas filas para obter vistos de viagem e além disso terão que enfrentar filas ainda mais extensas nos aeroportos.

Esperar durante horas, sem no entanto ter a garantia que se conseguirá os produtos desejados e sem nenhuma garantia que não se ouvirá estas temidas palavras: não temos mais pão (ou aquilo que se procura). Esta frase significa que será preciso esperar até a semana seguinte pois, somente é permitido entrar na “longa fila” quando o último número da carteira de identidade pessoal corresponde a um determinado dia da semana. Contudo, ao mesmo tempo, as pessoas falavam dos efeitos positivos desta crise, destacando o fato de que os laços de solidariedade foram reforçados. Um dos nossos coirmãos dizia que a situação atual levou-os a adotar um modo de vida mais simples e aproximou a comunidade da realidade dos pobres. Esta situação social, econômica e política com seus aspectos negativos e positivos, pode ser considerada como uma passagem da cruz (a crise) à ressurreição (a solidariedade e uma maior identificação com a situação daqueles que são pobres).

Uma história de Jesus: E o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14). Deus que é todo amor, misericordioso e compassivo, jamais abandonou a humanidade. Muitas vezes e de muitos modos falou Deus outrora aos nossos pais, pelos profetas; nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio do Filho (Hb 1, 1-2). Jesus se misturava às multidões que formavam as longas filas de excluídos, na expectativa e esperança de participar, como membros ativos, da vida da sociedade. Jesus alimentou multidões e, não somente nenhuma pessoa voltou de mãos vazias, como também cestos e mais cestos de restos foram recolhidos (Mc 6, 34-44).
Jesus estendeu o seu perdão incondicional aos pecadores,setenta vezes sete (Mt 18, 22), e exortava seus discípulos a serem também compassivos com seus irmãos e irmãs, como Deus tinha sido com eles (Lc 6, 36). Por sua Encarnação, hoje podemos encontrar Jesus em todas estas longas filas de espera que se constatam em diversas cidades do mundo, longas filas de homens e mulheres que clamam a toda hora, pedindo para seremreconhecidos como membros integrais desta sociedade.
Uma nova história:
Sim, a Quaresma é um tempo para o jejum, mas durante este ano da Misericórdia, nosso jejum deve assumir uma nova forma, aquela que leva à conversão pessoal e comunitária. Nosso jejum deveria ser de tal forma que jamais pudéssemos ser acusados “de passividade, de indulgência ou de cumplicidade culpáveis frente a situações intoleráveis de injustiça e de regimes políticos que mantêm estas situações” (Evangelii Gaudium, n° 194). Nosso jejum deve impregnar-nos, tocar-nos no mais profundo de nosso ser, de maneira que possamos ouvir e compreender novamente o clamor dos nossos irmãos e irmãs. Então, escutando estes gritos, corramos para servi-los como se corrêssemos para apagar um incêndio.
Lembremo-nos, portanto, que quando tecemos relações com aqueles que estão na periferia, devemos entrar em seus sentimentos… é preciso sensibilizar nossos corações tornando-os susceptíveis ao sofrimento e as misérias do próximo e pedir a Deus que nos conceda o verdadeiro espírito de misericórdia que é o próprio espírito de Deus (Coste XI, p. 340-341).



Que nosso jejum durante este tempo de Quaresma conceda a cada um de nós, membros da Família Vicentina, um coração novo, um coração de carne, um coração que nos permita criar vínculos sempre mais fortes com os nossos senhores e mestres, com os incontáveis homens e mulheres que, no mundo inteiro, são esquecidos e abandonados. Que nosso jejum durante esta Quaresma possa refletir esta mesma passagem que experimentam nossos irmãos e irmãs da Venezuela, uma passagem da cruz (nossa própria situação de crise) à ressurreição (a solidariedade e uma maior identificação com a situação daqueles que são pobres).

Quaresma: tempo para rezar

Uma história: No mês passado, por ocasião da festa da Epifania, fui ao Santuário de Nossa Senhora de Prime-Combe, que é administrado pelos nossos Coirmãos da Província de Toulouse e por uma equipe pastoral composta por leigos bem formados. Houve um tempo em que aproximadamente 50.000 pessoas se reuniam para celebrar a festa de Nossa Senhora. Hoje em dia, apenas 300 pessoas vêm participar da festa, mas, todos os domingos, na medida do possível, um coirmão celebra a Eucaristia.

Fiquei muito impressionado com a fé simples de uns 50 fiéis que estavam reunidos para celebrar a Eucaristia. Eram todos idosos com 60 anos ou mais (não havia nenhum jovem presente). Um grupo de monges beneditinos que, desde o ano de 1990, vivem num prédio localizado em nosso terreno, partilha a vida desta comunidade de fé. Entretanto, este grupo de monges consiste numa comunidade muito especial. Cada membro vive com uma certa deficiência. Porém, estes homens levam uma vida alegre e simples e oferecem à população da redondeza um poderoso exemplo da maneira como o trabalho e a oração podem se entrelaçar.

Uma história de Jesus : Jesus se afastou muitas vezes da multidão e de seus discípulos para dedicar tempo à oração. Ele dizia aos seus discípulos: “orai pelos que vos perseguem” (Mt 5, 44)e Ele mesmo rezou para que “todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti” (Jo 17, 21). Todos nós conhecemos o relato da oração angustiada de Jesus no Getsémani (Mc 14, 32-42).Ao mesmo tempo, Jesus enalteceu a humilde oração do coletor de impostos: Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador… e declarou que foi o coletor de impostos que voltou para casa justificado, pois, quem “se humilha será exaltado” (Lc 18, 9-14).Jesus também elogiou a oferta generosa da pobre viúva que foi a Jerusalém para rezar (Mc 12, 43-44).
Antes de partir deste mundo, Jesus deixou aos seus discípulos a herança de uma oração que combina dois grandes desejos centrados em Deus, com três clamores de súplica centrados nas urgentes necessidades básicas da humanidade. Jesus disse ao Pai os dois desejos do seu coração: Santificado seja o vosso nomevenha a nós o vosso Reino. Estes são seguidos por três clamores de súplica: dai-nos o pão, perdoai-nos nossas ofensas,e não nos deixeis cair em tentação[1]. Através de sua Encarnação, Deus compreende nossas necessidades, compreende que somos fragmentados e feridos e na pessoa de Jesus todas estas realidades são apresentadas ao Pai!
Uma nova história: Sim, a Quaresma é um tempo de oração e, nossa oração assim como o nosso jejum devem igualmente tomar uma nova forma durante este ano da Misericórdia, uma forma que conduz à conversão pessoal e comunitária. Sem momentos prolongados de adoração, de encontro orante com a Palavra, de diálogo sincero com o Senhor, as tarefas facilmente se esvaziam de significado, quebrantamo-nos com o cansaço e as dificuldades, e o ardor apaga-se. A Igreja não pode dispensar o pulmão da oração (Evangelii Gaudium, n° 262).
 
Nossa oração e nosso jejum dão sentidos ao nosso ministério/serviço, nosso ministério / serviço dá sentido à nossa oração e ao nosso jejum. Minha esperança é que durante estes 40 dias de Quaresma possamos dedicar tempo não somente para escutar os clamores dos pobres, não somente para servir e evangelizar os pobres, mas para rezar com os pobres. Afinal, não somos todos como os membros da comunidade beneditina de Nossa Senhora de Prime-Combe, ou seja, não estamos de algum modo fragmentados e com necessidade de cura, com necessidade das orações dos outros? Consequentemente, como os monges beneditinos, nossas “deficiências” não devem nos impedir de contribuir na edificação de nossa comunidade, da associação, da Congregação.
 
Enfim, e se, como o Papa Francisco não cessa de fazer, pedíssemos às pessoas: por favor, rezem por mim? E se convidássemos os pobres a virem em nossas casas para partilhar com eles um tempo de oração? Gostaria de encorajá-los a fazê-lo e depois, durante o Tempo Pascal, poderíamos compartilhar uns com os outros nossas experiências de partilha da oração com nossos senhores e mestres.
 
Que a nossa oração e o nosso jejum nos permitam morrer com Cristo durante este tempo de Quaresma do ano de 2016, para ressuscitar com Ele no domingo de Páscoa e cantar nosso Aleluia!
Seu Irmão em São Vicente,

G. Gregory Gay, CM, Superior Geral

sábado, 13 de fevereiro de 2016

MENSAGEM PARA A QUARESMA

"Prefiro a misericórdia ao sacrifício" (Mt 9, 13).
As obras de misericórdia no caminho jubilar


1. Maria, ícone duma Igreja que evangeliza porque evangelizada
Na Bula de proclamação do Jubileu, fiz o convite para que «a Quaresma deste Ano Jubilar seja vivida mais intensamente como tempo forte para celebrar e experimentar a misericórdia de Deus» (Misericordi Vultus, 17). Com o apelo à escuta da Palavra de Deus e à iniciativa «24 horas para o Senhor», quis sublinhar a primazia da escuta orante da Palavra, especialmente a palavra profética. Com efeito, a misericórdia de Deus é um anúncio ao mundo; mas cada cristão é chamado a fazer pessoalmente experiência de tal anúncio. Por isso, no tempo da Quaresma, enviarei os Missionários da Misericórdia a fim de serem, para todos, um sinal concreto da proximidade e do perdão de Deus.
Maria, por ter acolhido a Boa Notícia que Lhe fora dada pelo arcanjo Gabriel, canta profeticamente, no Magnificat, a misericórdia com que Deus A predestinou. Deste modo a Virgem de Nazaré, prometida esposa de José, torna-se o ícone perfeito da Igreja que evangeliza porque foi e continua a ser evangelizada por obra do Espírito Santo, que fecundou o seu ventre virginal. Com efeito, na tradição profética, a misericórdia aparece estreitamente ligada – mesmo etimologicamente – com as vísceras maternas (rahamim) e com uma bondade generosa, fiel e compassiva (hesed) que se vive no âmbito das relações conjugais e parentais.


2. A aliança de Deus com os homens: uma história de misericórdia
O mistério da misericórdia divina desvenda-se no decurso da história da aliança entre Deus e o seu povo Israel. Na realidade, Deus mostra-Se sempre rico de misericórdia, pronto em qualquer circunstância a derramar sobre o seu povo uma ternura e uma compaixão viscerais, sobretudo nos momentos mais dramáticos quando a infidelidade quebra o vínculo do Pacto e se requer que a aliança seja ratificada de maneira mais estável na justiça e na verdade. Encontramo-nos aqui perante um verdadeiro e próprio drama de amor, no qual Deus desempenha o papel de pai e marido traído, enquanto Israel desempenha o de filho/filha e esposa infiéis. São precisamente as imagens familiares – como no caso de Oseias (cf. Os 1-2) – que melhor exprimem até que ponto Deus quer ligar-Se ao seu povo.
Este drama de amor alcança o seu ápice no Filho feito homem. N’Ele, Deus derrama a sua misericórdia sem limites até ao ponto de fazer d’Ele a Misericórdia encarnada (cf. Misericordi Vultus, 8). Na realidade, Jesus de Nazaré enquanto homem é, para todos os efeitos, filho de Israel. E é-o ao ponto de encarnar aquela escuta perfeita de Deus que se exige a cada judeu pelo Shemá, fulcro ainda hoje da aliança de Deus com Israel: «Escuta, Israel! O Senhor é nosso Deus; o Senhor é único! Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças» (Dt 6, 4-5). O Filho de Deus é o Esposo que tudo faz para ganhar o amor da sua Esposa, à qual O liga o seu amor incondicional que se torna visível nas núpcias eternas com ela.
Este é o coração pulsante do querigma apostólico, no qual ocupa um lugar central e fundamental a misericórdia divina. Nele sobressai «a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado» (Evangelii gaudium, 36), aquele primeiro anúncio que «sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se tem de voltar a anunciar, duma forma ou doutra, durante a catequese» (Ibid., 164).
Então a Misericórdia «exprime o comportamento de Deus para com o pecador, oferecendo-lhe uma nova possibilidade de se arrepender, converter e acreditar» (Misericordi Vultus, 21), restabelecendo precisamente assim a relação com Ele. E, em Jesus crucificado, Deus chega ao ponto de querer alcançar o pecador no seu afastamento mais extremo, precisamente lá onde ele se perdeu e afastou d'Ele. E faz isto na esperança de assim poder finalmente comover o coração endurecido da sua Esposa.


3. As obras de misericórdia
A misericórdia de Deus transforma o coração do homem e faz-lhe experimentar um amor fiel, tornando-o assim, por sua vez, capaz de misericórdia. É um milagre sempre novo que a misericórdia divina possa irradiar-se na vida de cada um de nós, estimulando-nos ao amor do próximo e animando aquilo que a tradição da Igreja chama as obras de misericórdia corporal e espiritual. Estas recordam-nos que a nossa fé se traduz em atos concretos e quotidianos, destinados a ajudar o nosso próximo no corpo e no espírito e sobre os quais havemos de ser julgados: alimentá-lo, visitá-lo, confortá-lo, educa-lo.
Por isso, expressei o desejo de que «o povo cristão reflita, durante o Jubileu, sobre as obras de misericórdia corporal e espiritual. Será uma maneira de acordar a nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, e de entrar cada vez mais no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina» (Ibid., 15). Realmente, no pobre, a carne de Cristo «torna-se de novo visível como corpo martirizado, chagado, flagelado, desnutrido, em fuga... a fim de ser reconhecido, tocado e assistido cuidadosamente por nós» (Ibid., 15). É o mistério inaudito e escandaloso do prolongamento na história do sofrimento do Cordeiro Inocente, sarça-ardente de amor gratuito na presença da qual podemos apenas, como Moisés, tirar as sandálias (cf. Ex 3, 5); e mais ainda, quando o pobre é o irmão ou a irmã em Cristo que sofre por causa da sua fé.
Diante deste amor forte como a morte (cf. Ct 8, 6), fica patente como o pobre mais miserável seja aquele que não aceita reconhecer-se como tal. Pensa que é rico, mas na realidade é o mais pobre dos pobres. E isto porque é escravo do pecado, que o leva a utilizar riqueza e poder, não para servir a Deus e aos outros, mas para sufocar em si mesmo a consciência profunda de ser, ele também, nada mais que um pobre mendigo. E quanto maior for o poder e a riqueza à sua disposição, tanto maior pode tornar-se esta cegueira mentirosa. Chega ao ponto de não querer ver sequer o pobre Lázaro que mendiga à porta da sua casa (cf. Lc 16, 20-21), sendo este figura de Cristo que, nos pobres, mendiga a nossa conversão. ~
Lázaro é a possibilidade de conversão que Deus nos oferece e talvez não vejamos. E esta cegueira está acompanhada por um soberbo delírio de omnipotência, no qual ressoa sinistramente aquele demoníaco «sereis como Deus» (Gn 3, 5) que é a raiz de qualquer pecado. Tal delírio pode assumir também formas sociais e políticas, como mostraram os totalitarismos do século XX e mostram hoje as ideologias do pensamento único e da tecnociência que pretendem tornar Deus irrelevante e reduzir o homem a massa possível de instrumentalizar. E podem atualmente mostrá-lo também as estruturas de pecado ligadas a um modelo de falso desenvolvimento fundado na idolatria do dinheiro, que torna indiferentes ao destino dos pobres as pessoas e as sociedades mais ricas, que lhes fecham as portas recusando-se até mesmo a vê-los.
Portanto a Quaresma deste Ano Jubilar é um tempo favorável para todos poderem, finalmente, sair da própria alienação existencial, graças à escuta da Palavra e às obras de misericórdia. Se, por meio das obras corporais, tocamos a carne de Cristo nos irmãos e irmãs necessitados de ser nutridos, vestidos, alojados, visitados, as obras espirituais tocam mais diretamente o nosso ser de pecadores: aconselhar, ensinar, perdoar, admoestar, rezar. Por isso, as obras corporais e as espirituais nunca devem ser separadas. Com efeito, é precisamente tocando, no miserável, a carne de Jesus crucificado que o pecador pode receber, em dom, a consciência de ser ele próprio um pobre mendigo.
Por esta estrada, também os «soberbos», os «poderosos» e os «ricos», de que fala o Magnificat, têm a possibilidade de aperceber-se que são, imerecidamente, amados pelo crucificado, morto e ressuscitado também por eles. Somente neste amor temos a resposta àquela sede de felicidade e amor infinitos que o homem se ilude de poder colmar mediante os ídolos do saber, do poder e do possuir. Mas permanece sempre o perigo de que os soberbos, os ricos e os poderosos – por causa de um fechamento cada vez mais hermético a Cristo, que, no pobre, continua a bater à porta do seu coração – acabem por se condenar precipitando-se eles mesmos naquele abismo eterno de solidão que é o inferno.
Por isso, eis que ressoam de novo para eles, como para todos nós, as palavras veementes de Abraão: «Têm Moisés e o Profetas; que os oiçam!» (Lc 16, 29). Esta escuta ativa preparar-nos-á da melhor maneira para festejar a vitória definitiva sobre o pecado e a morte conquistada pelo Esposo já ressuscitado, que deseja purificar a sua prometida Esposa, na expectativa da sua vinda.
Não percamos este tempo de Quaresma favorável à conversão! Pedimo-lo pela intercessão materna da Virgem Maria, a primeira que, diante da grandeza da misericórdia divina que Lhe foi concedida gratuitamente, reconheceu a sua pequenez (cf. Lc 1, 48), confessando-Se a humilde serva do Senhor (cf. Lc 1, 38).
Vaticano, 4 de Outubro de 2015
Festa de S. Francisco de Assis

FRANCISCUS

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

MENSAGEM DE SUA SANTIDADE FRANCISCO
PARA A XXIV JORNADA MUNDIAL DO DOENTE

“Confiar em Jesus misericordioso, como Maria: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2, 5)”

Amados irmãos e irmãs!

A XXIV Jornada Mundial do Doente dá-me ocasião para me sentir particularmente próximo de vós, queridas pessoas doentes, e de quantos cuidam de vós.

Dado que a referida Jornada vai ser celebrada de maneira solene na Terra Santa, proponho que, neste ano, se medite a narração evangélica das bodas de Caná (Jo 2, 1-11), onde Jesus realizou o primeiro milagre a pedido de sua Mãe. O tema escolhido – Confiar em Jesus misericordioso, como Maria: «Fazei o que Ele vos disser» (Jo 2, 5) – insere-se muito bem no âmbito do Jubileu Extraordinário da Misericórdia. A celebração eucarística central da Jornada terá lugar a 11 de Fevereiro de 2016, memória litúrgica de Nossa Senhora de Lurdes, e precisamente em Nazaré, onde «o Verbo Se fez homem e veio habitar connosco» (Jo 1, 14). Em Nazaré, Jesus deu início à sua missão salvífica, aplicando a Si mesmo as palavras do profeta Isaías, como nos refere o evangelista Lucas: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor» (4, 18-19).

A doença, sobretudo se grave, põe sempre em crise a existência humana e suscita interrogativos que nos atingem em profundidade. Por vezes, o primeiro momento pode ser de rebelião: Porque havia de acontecer precisamente a mim? Podemos sentir-nos desesperados, pensar que tudo está perdido, que já nada tem sentido...

Nestas situações, a fé em Deus se, por um lado, é posta à prova, por outro, revela toda a sua força positiva; e não porque faça desaparecer a doença, a tribulação ou os interrogativos que daí derivam, mas porque nos dá uma chave para podermos descobrir o sentido mais profundo daquilo que estamos a viver; uma chave que nos ajuda a ver como a doença pode ser o caminho para chegar a uma proximidade mais estreita com Jesus, que caminha ao nosso lado, carregando a Cruz. E esta chave é-nos entregue pela Mãe, Maria, perita deste caminho.

Nas bodas de Caná, Maria é a mulher solícita que se apercebe de um problema muito importante para os esposos: acabou o vinho, símbolo da alegria da festa. Maria dá-Se conta da dificuldade, de certa maneira assume-a e, com discrição, age sem demora. Não fica a olhar e, muito menos, se demora a fazer juízos, mas dirige-Se a Jesus e apresenta-Lhe o problema como é: «Não têm vinho» (Jo 2, 3). E quando Jesus Lhe faz notar que ainda não chegou o momento de revelar-Se (cf. v. 4), Maria diz aos serventes: «Fazei o que Ele vos disser» (v. 5). Então Jesus realiza o milagre, transformando uma grande quantidade de água em vinho, um vinho que logo se revela o melhor de toda a festa. Que ensinamento podemos tirar, para a Jornada Mundial do Doente, do mistério das bodas de Caná?

O banquete das bodas de Caná é um ícone da Igreja: no centro, está Jesus misericordioso que realiza o sinal; em redor d’Ele, os discípulos, as primícias da nova comunidade; e, perto de Jesus e dos seus discípulos, está Maria, Mãe providente e orante. Maria participa na alegria do povo comum, e contribui para a aumentar; intercede junto de seu Filho a bem dos esposos e de todos os convidados. E Jesus não rejeitou o pedido de sua Mãe. Quanta esperança há neste acontecimento para todos nós! Temos uma Mãe de olhar vigilante e bom, como seu Filho; o coração materno e repleto de misericórdia, como Ele; as mãos que desejam ajudar, como as mãos de Jesus que dividiam o pão para quem tinha fome, que tocavam os doentes e os curavam. Isto enche-nos de confiança, fazendo-nos abrir à graça e à misericórdia de Cristo.

A intercessão de Maria faz-nos experimentar a consolação, pela qual o apóstolo Paulo bendiz a Deus: «Bendito seja Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda consolação! Ele nos consola em toda a nossa tribulação, para que também nós possamos consolar aqueles que estão em qualquer tribulação, mediante a consolação que nós mesmos recebemos de Deus. Na verdade, assim como abundam em nós os sofrimentos de Cristo, também, por meio de Cristo, é abundante a nossa consolação» (2 Cor  1, 3-5). Maria é a Mãe «consolada», que consola os seus filhos.

Em Caná, manifestam-se os traços distintivos de Jesus e da sua missão: é Aquele que socorre quem está em dificuldade e passa necessidade. Com efeito, no seu ministério messiânico, curará a muitos de doenças, enfermidades e espíritos malignos, dará vista aos cegos, fará caminhar os coxos, restituirá saúde e dignidade aos leprosos, ressuscitará os mortos, e aos pobres anunciará a boa nova (cf. Lc 7, 21-22). E, durante o festim nupcial, o pedido de Maria – sugerido pelo Espírito Santo ao seu coração materno – fez revelar-se não só o poder messiânico de Jesus, mas também a sua misericórdia.

Na solicitude de Maria, reflecte-se a ternura de Deus. E a mesma ternura torna-se presente na vida de tantas pessoas que acompanham os doentes e sabem individuar as suas necessidades, mesmo as mais subtis, porque vêem com um olhar cheio de amor. Quantas vezes uma mãe à cabeceira do filho doente, ou um filho que cuida do seu progenitor idoso, ou um neto que acompanha o avô ou a avó, depõe a sua súplica nas mãos de Nossa Senhora! Para nossos familiares doentes, pedimos, em primeiro lugar, a saúde; o próprio Jesus manifestou a presença do Reino de Deus precisamente através das curas. «Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos vêem e os coxos andam; os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam» (Mt 11, 4-5). Mas o amor, animado pela fé, leva-nos a pedir, para eles, algo maior do que a saúde física: pedimos uma paz, uma serenidade da vida que parte do coração e que é dom de Deus, fruto do Espírito Santo que o Pai nunca nega a quantos Lho pedem com confiança.

No episódio de Caná, além de Jesus e sua Mãe, temos aqueles que são chamados «serventes» e que d’Ela recebem esta recomendação: «Fazei o que Ele vos disser» (Jo 2, 5). Naturalmente, o milagre dá-se por obra de Cristo; contudo Ele quer servir-Se da ajuda humana para realizar o prodígio. Poderia ter feito aparecer o vinho directamente nas vasilhas. Mas quer valer-Se da colaboração humana e pede aos serventes que as encham de água. Como é precioso e agradável aos olhos de Deus ser serventes dos outros! Mais do que qualquer outra coisa, é isto que nos faz semelhantes a Jesus, que «não veio para ser servido, mas para servir» (Mc 10, 45). Aqueles personagens anónimos do Evangelho dão-nos uma grande lição. Não só obedecem, mas fazem-no generosamente: enchem as vasilhas até cima (cf. Jo 2, 7). Confiam na Mãe, fazendo, imediatamente e bem, o que lhes é pedido, sem lamentos nem cálculos.

Nesta Jornada Mundial do Doente, podemos pedir a Jesus misericordioso, pela intercessão de Maria, Mãe d’Ele e nossa, que nos conceda a todos a mesma disponibilidade ao serviço dos necessitados e, concretamente, dos nossos irmãos e irmãs doentes. Por vezes, este serviço pode ser cansativo, pesado, mas tenhamos a certeza de que o Senhor não deixará de transformar o nosso esforço humano em algo de divino. Também nós podemos ser mãos, braços, corações que ajudam a Deus a realizar os seus prodígios, muitas vezes escondidos. Também nós, sãos ou doentes, podemos oferecer as nossas canseiras e sofrimentos como aquela água que encheu as vasilhas nas bodas de Caná e foi transformada no vinho melhor. Tanto com a ajuda discreta de quem sofre, como suportando a doença, carrega-se aos ombros a cruz de cada dia e segue-se o Mestre (cf. Lc 9, 23); e, embora o encontro com o sofrimento seja sempre um mistério, Jesus ajuda-nos a desvendar o seu sentido.

Se soubermos seguir a voz d’Aquela que recomenda, a nós também, «fazei o que Ele vos disser», Jesus transformará sempre a água da nossa vida em vinho apreciado. Assim, esta Jornada Mundial do Doente, celebrada solenemente na Terra Santa, ajudará a tornar realidade os votos que formulei na Bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia: «Possa este Ano Jubilar, vivido na misericórdia, favorecer o encontro com [o judaísmo e o islamismo] e com as outras nobres tradições religiosas; que ele nos torne mais abertos ao diálogo, para melhor nos conhecermos e compreendermos; elimine todas as formas de fechamento e desprezo e expulse todas as formas de violência e discriminação» (Misericordiae Vultus, 23). Cada hospital ou casa de cura pode ser sinal visível e lugar para promover a cultura do encontro e da paz, onde a experiência da doença e da tribulação, bem como a ajuda profissional e fraterna contribuam para superar qualquer barreira e divisão.

Exemplo disto são as duas Irmãs canonizadas no passado mês de Maio: Santa Maria Alfonsina Danil Ghattas e Santa Maria de Jesus Crucificado Baouardy, ambas filhas da Terra Santa. A primeira foi uma testemunha de mansidão e unidade, dando claro testemunho de como é importante tornarmo-nos responsáveis uns pelos outros, vivermos ao serviço uns dos outros. A segunda, mulher humilde e analfabeta, foi dócil ao Espírito Santo, tornando-se instrumento de encontro com o mundo muçulmano.

A todos aqueles que estão ao serviço dos doentes e atribulados, desejo que vivam animados pelo espírito de Maria, Mãe da Misericórdia. «A doçura do seu olhar nos acompanhe neste Ano Santo, para podermos todos nós redescobrir a alegria da ternura de Deus» (ibid., 24) e levá-la impressa nos nossos corações e nos nossos gestos. Confiamos à intercessão da Virgem as ânsias e tribulações, juntamente com as alegrias e consolações, dirigindo-Lhe a nossa oração para que Ela pouse sobre nós o seu olhar misericordioso, especialmente nos momentos de sofrimento, e nos torne dignos de contemplar, hoje e para sempre, o Rosto da misericórdia que é seu Filho Jesus.

Acompanho esta súplica por todos vós com a minha Bênção Apostólica.

Vaticano, 15 de Setembro – Memória de Nossa Senhora das Dores – do ano de 2015.

Franciscus


terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

FILHAS DA CARIDADE NA CASA DE SANTA MARTA – ROMA


São Vicente de Paulo e Santa Luísa de Marillac queriam que as Filhas da Caridade fossem Filhas da Igreja e Filhas da Paróquia e que colaborassem, onde fossem enviadas, com a pastoral da Igreja local “para agradar a Deus”.

No final do século XIX, elas foram chamadas à Casa Santa Marta, no Vaticano, pelo Papa Leão XIII para diversos serviços que evoluíram ao longo dos anos (cuidados dos doentes, acolhida de peregrinos, refeitório dos funcionários, dispensário). Desde esta data, as Irmãs estão presentes no ‘Domus Sanctae Marthae’. A sua presença em Santa Marta reflecte a fidelidade da Companhia à Igreja e a sua obediência ao Soberano Pontífice.



A construção que data de 1996 substituiu o Hospital de Santa Marta edificado em 1891 a pedido do papa Leão XIII para servir de abrigo para vítimas de uma pandemia de cólera. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939 -1945)  foi utilizada para refugiar judeus e embaixadores de países que tinham cortado relações diplomáticas com a Itália. Hoje, a residência construída sob o pontificado de João Paulo II, continua a ser administrado pelas Filhas da Caridade de S. Vicente de Paulo.

Durante o Conclave de 2005 (eleição de Bento XVI) e no que aconteceu em 2013 (eleição do Papa Francisco), elas também contribuíram, discretamente, na preparação material da Casa Sta Marta, onde tiveram a graça de rezar com os Cardeais e acolher, na alegria e na fé, o novo Papa e receber sua bênção.

O Papa Francisco decidiu continuar a viver na Casa de Santa Marta no Vaticanoonde se instalou para o conclave, em vez de mudar para o apartamento papal,no palácio apostólico.

O Papa Francisco quis ficar em Santa Marta, por gostar de estar perto das pessoas. Todas as manhãs, celebra Eucaristia na Capela de Sta Marta, na qual propõe as suas reflexões, sempre muito incisivas e apropriadas.

(ATS)