E
depressa chegámos a este tempo favorável, a este dia da salvação, que em especial, nesta Quaresma, o Senhor nos quer oferecer, com
abundância. A Palavra de Deus toca a rebate, e parece rasgar
o nosso coração, com três apelos de urgência, que se tornam indicações
concretas, para o caminho que nos levará até à Páscoa.
1.
O primeiro apelo, na boca do profeta Joel, é o da conversão: “Convertei-vos ao
Senhor, vosso Deus”. Ninguém se julgue fora deste convite! Ele estende-se a todo
o Povo de Deus, aos anciãos, aos jovens, às crianças, aos casais. Porque todos
pecámos. Todos falhámos o alvo da santidade! Por isso, precisamos todos, e
muito, de aprender a chorar os nossos pecados, de pedir a Deus o dom das
lágrimas, a graça de nos sentirmos pecadores, para alcançarmos o Seu perdão. Só
teremos dor do nosso pecado, que é causa da nossa miséria, se tivermos
confiança neste Amor de Deus “clemente e compassivo, paciente e misericordioso”.
Converter-se é deixarmo-nos abraçar, tocar e envolver pela Sua misericórdia,
para sermos e nos tornarmos “misericordiosos, como o Pai”.
2.
O segundo apelo vem do apóstolo São Paulo, e concretiza o primeiro:
«Reconciliai-vos com Deus». “Ponhamos novamente o sacramento da Reconciliação
no centro, porque este permite-nos tocar sensivelmente a misericórdia do Pai”.
É preciso regressar, de modo renovado, e sem preconceito, à confissão. Não
basta arrepender-se e pedir perdão, como às vezes de ouve dizer: “confesso-me
diretamente a Deus”. Procuremos, sem medo, o Sacramento da Reconciliação, que
não é câmara de tortura, mas porta da misericórdia; que não é lavandaria, para
branquear os pecados, mas é lugar de cura e remédio, para as nossas feridas. «A
Quaresma seja vivida como tempo forte para celebrar e experimentar a
misericórdia de Deus».
3.
O terceiro apelo é inspirado no evangelho: «Tende cuidado em não praticar as
vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles». Este é,
pois, o tempo das obras de misericórdia, que é preciso praticar, sem dar nas
vistas, sem pôr o ar sombrio de quem faz muito sacrifício, mas de cabeça
perfumada e cara lavada. Não deixemos que passe em
vão este tempo favorável! Peçamos a Deus que nos ajude a realizar um caminho de
verdadeira conversão. Abandonemos o egoísmo, o olhar fixo em nós mesmos, e
voltemo-nos para a Páscoa de Jesus; façamos-nos próximo dos irmãos e irmãs em
dificuldade, partilhando com eles os nossos bens espirituais e materiais.»
O Papa Francisco lembra que a Quaresma «chama os
cristãos a encarnarem, de forma mais intensa e concreta, o mistério pascal na
sua vida pessoal, familiar e social, particularmente através do jejum, da
oração e da esmola». Jejuar, consiste em modificar a atitude pessoal «para com
os outros e as criaturas», transitando da «tentação de “devorar” tudo» para a
«capacidade de sofrer por amor, que pode preencher o vazio do coração». «Orar,
para saber renunciar à idolatria e à autossuficiência do nosso eu, e nos
declararmos necessitados do Senhor e da sua misericórdia», aponta. E «dar esmola,
para sair da insensatez de viver e acumular tudo» para si próprio, com a
«ilusão» de assegurar um futuro que não pertence a cada ser humano, por melhor
que julgue prepará-lo, mas a Deus. Com estas três práticas, o ser humano pode
«reencontrar a alegria do projeto que Deus colocou na criação e no coração»; ou
seja: «O projeto de amá-lo a Ele, aos nossos irmãos e ao mundo inteiro,
encontrando neste amor a verdadeira felicidade».
As cinzas
que vamos receber são uma imagem eloquente e um sinal expressivo da fragilidade
humana e da futilidade dos bens deste mundo. Mas mais do que isso, que poderia
significar uma visão meramente negativa dos sinais litúrgicos e do seu
simbolismo, este gesto ritual das cinzas constitui um apelo à fé no evangelho e
à conversão do coração: “Convertei-vos e acreditai no
evangelho”.
Estamos
certos de que, com este gesto tão simples e tão antigo, o Senhor nosso Deus
fortalece com a sua graça os nossos propósitos de caminho ao longo deste tempo
da Quaresma para que renasçamos para uma vida nova.
Este
ritual das cinzas, com que iniciamos a Quaresma, que nos lembra o pó inerte da
terra, faz-nos olhar já no horizonte distante da vida nova da graça em Jesus
Cristo, tão bem simbolizada nas águas regeneradoras com que seremos aspergidos
na noite da Vigília pascal e no lume novo que nessa mesma noite aí surge para
nos iluminar e dar vida. Estes quarenta dias de Quaresma, que hoje começamos,
são verdadeiros dias jubilares: dias jubilares de fé, de caridade, de profecia,
de esperança e de bênção, que cada um de nós saberá transformar em horas de
oração, de penitência, de conversão, de renúncia e de partilha.
Vive esta Quaresma
como verdadeira hora de conversão!
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