A 24 de Abril de 1581 na aldeia de Pouy, Dax - França, nascia Vicente de Paulo. Faleceu a 27 de Setembro de 1660, em Paris, sendo canonizado em 16 de Junho de 1737. Em 1885, o Papa Leão XIII declarou-o patrono de todas as obras de caridade.
Os santos, ainda em vida e, sobretudo depois da sua morte, são para o mundo, ao longo dos séculos, testemunhas da presença de Deus que ama e da Sua acção salvadora. Celebrá-los ou fazer memória de acontecimentos-chave nas suas vidas são preciosas oportunidades para meditar nas maravilhas de um Deus de ternura e de misericórdia por meio de alguém que a Ele se entregou sem reserva através dos compromissos irrevogáveis do sacerdócio.
Para a Congregação da Missão (Padres Vicentinos), celebrar o dia 25 de Janeiro, dia da sua fundação, remete-nos para o sermão histórico de Folleville (25 de Janeiro de 1617) que deu início à obra das Missões e tornou-se o segredo revelado para o início da própria Congregação. A coincidência com a celebração da festa da conversão de S. Paulo, apóstolo dos gentios, é estímulo (“Para mim viver é Cristo!”), desafio (“Ai de mim se eu não evangelizar!”) e compromisso (“O amor de Cristo nos impele!”).
Itinerário espiritual
A vocação deste genial iniciador da acção caritativa e social ilumina ainda hoje a estrada dos seus filhos e filhas, dos leigos que vivem do seu espírito, dos jovens que buscam a chave de uma existência útil e radicalmente consumida no dom de si. É fascinante o itinerário espiritual de São Vicente de Paulo. Depois da ordenação sacerdotal e da estranha aventura de escravidão em Túnis, dá-nos a impressão que ele volta as costas ao mundo dos pobres, rumando para Paris na expectativa de adquirir um benefício eclesiástico. Conseguiu colocar-se ao serviço da rainha Margarida. Tal posto fê-lo aproximar-se da miséria humana, especialmente no novo Hospital da Caridade. São os desígnios da Providência.
Transitando continuamente com a grande, rica e célebre Família dos Gondi pelos seus castelos e propriedades do interior, Vicente de Paulo descobriu a terrível realidade da miséria material e espiritual do "pobre povo do campo". Num domingo de Agosto de 1617, foi chamado para atender a uma família, cujos membros estavam todos doentes. Ele assume a organização da generosidade dos vizinhos e das pessoas de boa vontade: era o nascimento da primeira "Caridade" que ia servir de modelo a tantas outras. E, daquele momento até ao último suspiro, não o abandonaria mais a convicção de que o serviço dos pobres era a sua vida. Este resumo do "itinerário interior" do padre Vicente nos primeiros anos de sacerdócio mostra-nos um presbítero extremamente atento aos problemas do seu tempo, deixando-se guiar pelos acontecimentos ou, antes, pela Providência divina, sem jamais se lhe antecipar, sem "lhe passar por cima", como gostava de dizer.
Missões Populares
Para melhor servir os pobres, Vicente decidiu "reunir um grupo de padres que, livres de quaisquer compromissos, se aplicassem inteiramente, sob a orientação dos Bispos, à salvação do pobre povo do campo, por meio da pregação, da catequese, das confissões gerais, sem disso auferir retribuição alguma, qualquer que fosse a sua natureza ou modalidade". Este grupo sacerdotal cresceu rapidamente e implantou-se em cerca de quinze dioceses para missões paroquiais e a fundação das "Caridades". A Congregação da Missão depressa se estende até à Itália, à Irlanda, à Polónia, à Argélia, a Madagáscar. Vicente não cessa de inculcar nos seus companheiros "o espírito de Nosso Senhor", que ele compendia nas cinco virtudes fundamentais: a simplicidade, a mansidão, a humildade, a mortificação e o zelo. As exortações por ele dirigidas aos que partiam para pregar o Evangelho eram cheias de sabedoria espiritual e de realismo pastoral: trata-se, não de se fazer amar, e sim, de fazer amar Jesus Cristo. Num tempo de tantos pregadores de complicados sermões, com citações em grego e latim, ele exigia, em nome do Evangelho, a simplicidade e uma linguagem convincente.
Seminários e retiros
No decorrer das missões, tornou-se evidente que os frutos de tal método de evangelização dependiam da permanência de padres instruídos e zelosos nas paróquias missionadas. Assim, bem cedo, os "padres da missão" começaram a dar à formação sacerdotal a atenção que davam às missões, fundando, para isso, seminários em conformidade com os urgentes apelos do Concílio de Trento.
O primeiro retiro de ordinandos, animado pelo próprio São Vicente, em 1628, a pedido do Bispo de Beauvais, foi o ponto de partida, não apenas dos "exercícios preparatórios" à ordenação, mas também da formação permanente do clero, graças às "Conferências das terças-feiras" para os Eclesiásticos, em São Lázaro. A este clero de Paris e do interior, Vicente de Paulo comunicou o espírito evangélico e ardor missionários, orientando-o para a exigência da fraternidade sacerdotal e da ajuda mútua no serviço dos pobres, sob filial dependência dos Bispos. "Como revelar ao mundo o amor de Deus, gostava de repetir, se os mensageiros deste amor não se unem entre si?". Não seria, para todos os padres de hoje, um convite de São Vicente a viverem o sacerdócio em equipas fraternas, indissoluvelmente orantes e apostólicas; a um só tempo, abertas à colaboração com os leigos e penetradas do sentido do sacerdócio ministerial que vem de Cristo para o serviço das comunidades cristãs?
Filhas da Caridade e “Caridades”
Outro aspecto do dinamismo e do realismo de Vicente de Paulo foi dotar as "Caridades", já numerosas, de uma estrutura de unidade e eficiência. Luísa de Marillac, foi enviada para visitar e estimular as "Caridades". Cumpriu maravilhosamente a missão, cujos ecos contribuíram muito para que várias "boas moças do campo" que colaboravam com as "Caridades", se decidissem a seguir-lhe o exemplo de oblação total a Deus e aos pobres. A 29 de Novembro de 1633, nascia a Companhia das Filhas da Caridade, recebendo de Vicente de Paulo um regulamento original e exigente: "Tereis por mosteiros a sala dos doentes; por cela, um quarto de aluguer; como capela, a igreja paroquial; como claustro, as ruas da cidade; como clausura, a obediência; como grade, o temor de Deus; como véu, a santa modéstia". O espírito da Companhia foi assim resumido: "Deveis fazer o que o Filho de Deus fez na terra; a estes pobres doentes, deveis dar a vida do corpo e a vida da alma".
Nos dias de hoje
Este olhar contemplativo sobre a epopeia vicentina, levar-nos-ia facilmente a dizer que São Vicente de Paulo é um santo moderno. Sem dúvida, se ele aparecesse hoje, não teria o mesmo campo de acção. Foram superadas muitas doenças que ele ensinou a curar. Entretanto, ele encontraria infalivelmente, o caminho dos pobres, dos novos pobres, nas concentrações urbanas do nosso tempo, como outrora nos campos, bem como os desempregados e outras vítimas do sistema materialista em que vivemos.
Imagine-se o que este arauto da misericórdia e da ternura de Deus seria capaz de empreender, utilizando com sabedoria, todos os meios modernos à nossa disposição! Numa palavra, a sua vida assemelhar-se-ia ao que sempre foi: um evangelho generosamente aberto, com o mesmo cortejo de pobres, de doentes, de pecadores, de crianças infelizes e, também, de homens e mulheres a dedicarem-se, generosamente, ao amor e ao serviço dos pobres. Todos, famintos de verdade e de amor, tanto quanto de alimento material e de cuidados corporais! Todos, a escutar Cristo que continua a dizer-lhes: "Vinde e aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração!" (Mt 11, 29).
A Congregação da Missão e as Províncias que a compõem, ao longo dos tempos, procura identificar-se com o fundador e o seu carisma e, na última Assembleia, trataram o tema “Fidelidade criativa para a Missão”. Nesse sentido, está trabalhar na sua reconfiguração e no modo como levar por diante a missão que lhe está confiada.
Nesta última semana, mais concretamente de 16 a 19, em Piacenza-Itália, houve um Encontro de formação a nível europeu, subordinado ao tema: “Transmissão da Fé”. Neste tempo forte em que participei com outro sacerdote vicentino, foram trabalhados vários sub-temas, tais como: “A missão na Europa”, “A formação do Clero”, “O diálogo inter-religioso”, “A Igreja transmite a fé da qual ela vive”, “O diálogo ecuménico-litúrgico entre católicos e ortodoxos”, “A caridade” e “A Missões Populares”. Foram momentos ricos e intensos de partilha e de abertura, de testemunhos e de desafios.
Atentos aos sinais dos tempos e à realidade onde estamos inseridos sejamos bons discípulos de Vicente de Paulo, apoiados em dois dos seus pensamentos mais conhecidos - “Dai-me um homem de oração e ele será capaz de tudo!” e “O amor é inventivo até ao infinito!”
P. Agostinho Sousa, CDM/Beja
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