A Quaresma é um novo
começo, uma estrada que leva a um destino seguro: a Páscoa de Ressurreição, a
vitória de Cristo sobre a morte. E este tempo não cessa de nos dirigir um forte
convite à conversão: o cristão é chamado a voltar para Deus «de todo o coração»,
para não se contentar com uma vida medíocre, mas crescer na amizade com o
Senhor. Jesus é o amigo fiel que nunca nos abandona, pois, mesmo quando
pecamos, espera pacientemente pelo nosso regresso a Ele e, com esta espera,
manifesta a sua vontade de perdão.
A Quaresma é o momento
favorável para intensificar a vida espiritual através dos meios santos que a
Igreja nos propõe: o jejum, a oração e a esmola. Na base de tudo isto está a
Palavra de Deus, que somos convidados a ouvir e meditar com maior assiduidade
neste tempo. Aqui gostaria de me deter, em particular, na parábola do homem
rico e do pobre Lázaro (cf. Lc 16, 19-31). Deixemo-nos inspirar por
esta página tão significativa, que nos dá a chave para compreender como agir
para alcançarmos a verdadeira felicidade e a vida eterna, exortando-nos a uma
sincera conversão.
1. O outro é um dom
A parábola começa com a
apresentação dos dois personagens principais, mas quem aparece descrito de
forma mais detalhada é o pobre: encontra-se numa condição desesperada e sem
forças para se levantar, jaz à porta do rico e come as migalhas que caem da sua
mesa, tem o corpo coberto de chagas que os cães vêm lamber. Enfim, o quadro é
sombrio e o homem é degradado e humilhado.
A cena revela-se ainda
mais dramática, se se considera que o pobre se chama Lázaro: um nome
carregado de promessas, que literalmente significa «Deus ajuda». Assim, este
personagem não é anónimo, tem traços muito precisos e apresenta-se como um
indivíduo a quem podemos associar uma história pessoal. Enquanto que para o
rico ele é invisível, torna-se conhecido e quase familiar para nós, torna-se um
rosto; e, como tal, um dom, uma riqueza inestimável, um ser querido, amado,
recordado por Deus, apesar da sua condição concreta ser a duma escória humana.
Lázaro ensina-nos
que o outro é um dom. A justa relação com as pessoas consiste em
reconhecer com gratidão o seu valor. O próprio pobre à porta do rico não é um
empecilho fastidioso, mas um apelo a converter-se e a mudar de vida. O primeiro
convite que nos faz esta parábola é o de abrir a porta do nosso coração ao
outro, porque cada pessoa é um dom, seja o nosso vizinho seja o pobre
desconhecido. A Quaresma é um tempo propício para abrir a porta a cada necessitado
e nele reconhecer o rosto de Cristo. Cada um de nós encontra-o no próprio
caminho. Cada vida que vem ao nosso encontro é um dom e merece acolhimento,
respeito, amor. A Palavra de Deus ajuda-nos a abrir os olhos para acolher a
vida e amá-la, sobretudo quando é frágil. Mas, para se poder fazer isto, é
necessário tomar a sério também aquilo que o Evangelho nos revela a propósito
do homem rico.
2. O pecado cega-nos
A parábola põe em
evidência, sem piedade, as contradições em que se encontra o rico. Este
personagem, ao contrário do pobre Lázaro, não tem um nome, é qualificado apenas
como «rico». A sua opulência manifesta-se nas roupas que usa, de um luxo
exagerado. De facto, a púrpura era muito apreciada, mais do que a prata e o
ouro, e por isso estava reservada para os deuses e os reis. O linho fino era um
linho especial que ajudava a conferir à posição da pessoa um caráter quase
sagrado. Assim, a riqueza deste homem é excessiva, até porque era exibida todos
os dias de modo habitual: «Fazia todos os dias esplêndidos banquetes».
Entrevê-se nele, dramaticamente, a corrupção do pecado, que se realiza em três
momentos sucessivos: o amor ao dinheiro, a vaidade e a soberba.
O apóstolo Paulo diz que
«a raiz de todos os males é a ganância do dinheiro» (1 Tm 6, 10). Esta é o
motivo principal da corrupção e fonte de invejas, litígios e suspeitas. O
dinheiro pode chegar a dominar-nos até ao ponto de se tornar um ídolo tirânico
(cf. EG, 55). Em vez de ser um instrumento ao nosso dispor para fazer o bem e
exercer a solidariedade com os outros, o dinheiro pode-nos subjugar, a nós e ao
mundo inteiro, numa lógica egoísta que não deixa espaço para o amor e dificulta
a paz.
Depois, a parábola
mostra-nos que a ganância do rico torna-o vaidoso. A sua personalidade vive de
aparências, fazendo ver aos outros aquilo que se pode permitir. Mas a aparência
mascara o vazio interior. A sua vida está prisioneira da exterioridade, da
dimensão mais superficial e efémera da existência (cf. ibid., 62).
O degrau mais baixo
desta deterioração moral é a soberba. O homem veste-se como se fosse um rei,
simula a posição de um deus, esquecendo-se que é um simples mortal. Para o
homem corrompido pelo amor das riquezas, nada mais existe além do próprio eu e,
por isso, as pessoas que o rodeiam não entram no seu olhar. Assim, o fruto do
apego ao dinheiro é uma espécie de cegueira: o rico não vê o pobre esfomeado,
chagado e prostrado na sua humilhação.
Olhando este personagem,
compreende-se por que motivo o Evangelho é tão claro ao condenar o amor ao dinheiro:
«Ninguém pode servir a dois senhores: ou não gostará de um deles e estimará o
outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao
dinheiro» (Mt 6, 24).
3. A Palavra é um dom
O Evangelho do homem
rico e do pobre Lázaro ajuda-nos a prepararmo-nos bem para a Páscoa que se
aproxima. A liturgia de Quarta-Feira de Cinzas convida-nos a viver uma
experiência semelhante à que faz de forma tão dramática o rico. Quando impõe as
cinzas sobre a cabeça, o sacerdote repete estas palavras: «Lembra-te, homem,
que és pó da terra e à terra hás de voltar». De facto, tanto o rico como o
pobre morrem, e a parte principal da parábola desenrola-se no além. Os dois
personagens descobrem subitamente que «nada trouxemos ao mundo e nada podemos
levar dele» (1 Tm 6, 7).
Também o nosso olhar se
abre para o além, onde o rico tem um longo diálogo com Abraão, a quem trata por
«pai» (Lc 16, 24.27), dando mostras de fazer parte do povo de Deus. Este
detalhe torna ainda mais contraditória a sua vida, porque até agora nada se
tinha dito da sua relação com Deus. Com efeito, na sua vida não havia lugar
para Deus, sendo ele mesmo o seu único deus.
Só no meio dos tormentos
do além é que o rico reconhece Lázaro e queria que o pobre aliviasse os seus
sofrimentos com um pouco de água. Os gestos solicitados a Lázaro são
semelhantes aos que o rico poderia ter feito, mas nunca fez. Abraão, porém,
explica-lhe: «Recebeste os teus bens na vida, enquanto Lázaro recebeu somente
males. Agora, ele é consolado, enquanto tu és atormentado» (v. 25). No além
restabelece-se uma certa equidade e os males da vida são contrabalançados pelo
bem.
A parábola continua apresentando
uma mensagem para todos os cristãos. De facto o rico, que ainda tem irmãos
vivos, pede a Abraão que mande Lázaro avisá-los; mas Abraão respondeu: «Têm
Moisés e os Profetas; que os oiçam» (v. 29). E face à objeção do rico
acrescenta: «Se não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, tão-pouco se deixarão
convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos» (v. 31).
Deste modo se manifesta
o verdadeiro problema do rico: a raiz dos seus males é não escutar a
Palavra de Deus; isto levou-o a deixar de amar a Deus e, consequentemente, a
desprezar o próximo. A Palavra de Deus é uma força viva, capaz de suscitar a
conversão no coração dos homens e de orientar de novo a pessoa para Deus.
Fechar o coração ao dom de Deus que fala tem como consequência fechar o coração
ao dom do irmão.
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